Do ano 2000 a 2018, mais de 20 mil crianças e adolescentes morreram no Ceará por causas externas: metade delas vítimas de homicídios e a outra metade de acidentes de trânsito e suicídio. O levantamento, feito pelo UNICEF, foi apresentado durante o Seminário “A Segunda Década de Vida – Prevenindo mortes por causas externas na adolescência”, realizado pelo UNICEF em parceria com o Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA) e com  a Associação para o Desenvolvimento dos Municípios do Estado do Ceará (APDMCE), que reuniu gestores da Assistência Social e articuladores do Selo UNICEF de 92 municípios cearenses para discutir estratégias de prevenção às mortes por causas externas nos municípios.

Durante o seminário, o relator do CCPHA, dep. Renato Roseno, apresentou os dados do relatório Cada Vida Importa referente ao segundo semestre de 2018, bem como um resumo do trabalho do Comitê, as evidências encontradas na pesquisa realizada em 2016 e as recomendações de políticas públicas, alertando não se tratar de “receita” mas sim uma tentativa de reorganização do esforço governamental. “A violência é o retorno da segregação. Se essas mortes são previsíveis elas são preveníveis, cabe a nós chegarmos antes dela. A prevenção começa no município”, afirmou.

“Uma frase sintetiza aquilo que a gente acredita: a morte começa no abandono e esse abandono deixa muita pistas”, alertou o deputado, citando como uma das pistas o abandono escolar (73% dos meninos tinham saído da escola entre 6 meses e 2 anos antes de morrer) e a concentração dos homicídios – 17 dos 119 bairros de Fortaleza concentravam mais de 40% dos homicídios em Fortaleza.

No relatório Cada Vida Importa 2018.2, os dados mostram que a morte tornou-se mais feminina – com aumento no percentual das mortes de meninas, enquanto houve redução no número geral de mortes e nos índices relacionados aos meninos; mais interiorizada – com 10 municípios concentrando cerca de 70% dos homicídios na faixa etária de 10 a 19 anos; e mais jovem – com aumento no número de mortos com menos de 15 anos, em Fortaleza. Outro dado alarmante foi o aumento de mortes por intervenção policial: 36% em relação a 2017 e 434,15% se considerado o intervalo entre 2014 e 2018, em um crescimento acentuado e contínuo que revela um padrão de policiamento de confronto, que gera mais conflitos (Acesse aqui o Relatório na íntegra).

O que o Comitê, junto com o UNICEF, tem buscado com os relatórios é apresentar um diagnóstico que subsidie políticas promotoras de vida especialmente na adolescência e que desnaturalize o homicídio como a única possibilidade para esses jovens. “É muito importante que a janela de envolvimento dos adolescentes sejam janelas de promoção da vida e que a sociedade não coloque a culpa da morte no morto.  Quando alguém diz que ‘morreu porque fez por onde’, a sociedade está colocando a culpa da morte no morto, por isso nosso lema é Cada vida importa”, reiterou.

O tema suicídio e acidentes no trânsito foram abordados respectivamente pela professora Alessandra Xavier, da Universidade Estadual do Ceará, que apresentou fatores de risco e de proteção ao suicídio na infância e na adolescência; e pelo promotor Hugo Porto, que falou do programa Municipaliza, do Ministério Público do Estado do Ceará.

 

Prevenção nos municípios

O UNICEF, parceiro do Comitê desde sua concepção, incluiu a prevenção ao homicídio entre as ações obrigatórias a serem desenvolvidas na atual edição do Selo UNICEF 2017-2020, dentro de um dos resultados esperados que é a prevenção de mortes por causas externas.

Para contribuir com os municípios nessa questão, no período da tarde o coordenador do Comitê e sociólogo, Thiago de Holanda, apresentou um passo a passo das ações de prevenção, que começa no diagnóstico da situação do municípios, planejamento/elaboração das políticas, regularidade da ação e assertividade.

Thiago ressaltou que a prevenção deve ser estruturada em três níveis: proteção primária (ações voltadas para o conjunto da população, como educação, por exemplo); prevenção secundária (políticas voltadas a grupos mais vulneráveis) e proteção terciária (com ações focadas especificamente em quem já sofreu a violência, seja a vítima em si ou os familiares, para prevenir outras mortes) e citou exemplos da inclusão do tema na agenda dos municípios.

Ele apresentou a Lei nº 16.482/17, de autoria do dep. Renato Roseno, que cria a Semana Estadual de Prevenção. Em sua primeira edição, as atividades focaram na arte e na cultura como impulsos de vida na juventude, podendo essa experiência ser replicada nos municípios, inserida em uma agenda municipal de promoção e valorização da vida. “A gente precisa mobilizar os corações, as mentes das pessoas para que a prevenção, o respeito aos direitos humanos seja um caminho para chegar numa sociedade menos violenta”.

Para o coordenador do Comitê, é possível prevenir a morte de crianças e adolescentes a partir de uma grande mobilização social e do engajamento dos gestores. “Para nós, o prefeito é a principal liderança da política de prevenção”.