Thiago Martins, de 12 anos, desapareceu após participar de uma vaquejada no município de Mauriti, a 513 km de Fortaleza. Dois dias depois, na sexta-feira (27/06), o corpo do garoto foi encontrado sem vida. O caso, que está sendo investigado pela Polícia Civil do Ceará, ganhou repercussão no Estado e trouxe à tona um cenário ainda mais grave e complexo.

De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), entre janeiro e o dia 20 de junho de 2025, o Ceará teve registrados 169 homicídios de crianças, adolescentes e jovens na segunda década de vida (10 a 19 anos). Destes crimes, mais de 95% ocorreram com o emprego de armas de fogo.

A poucos dias do aniversário de 35 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que ocorre em 13 de julho, a discussão sobre direitos dessa população vem como um alerta. O ECA (Lei nº 8.069/1990) é a legislação brasileira que garante os direitos de crianças (até 12 anos) e adolescentes (de 12 a 18 anos), reconhecendo-os como sujeitos de direitos.

Inspirado na Convenção Internacional dos Direitos da Criança da ONU, o estatuto estabelece a proteção integral como princípio central, assegurando acesso à educação, saúde, lazer, cultura, convivência familiar e comunitária, além de proteção contra negligência, violência, exploração e discriminação. A lei também define as responsabilidades da família, da sociedade e do Estado, inclusive nos casos de adolescentes em conflito com a lei, priorizando sempre a ressocialização.

Pesquisas e recomendações
“É uma epidemia”, define Thiago de Holanda, sociólogo e coordenador do Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa do Ceará (CPCV). “Somente no mês de maio deste ano, tivemos 31 homicídios de pessoas na segunda década de vida, ou seja, uma média de um caso por dia”, ressalta. Entre 2015 e 2025 já foram 6.182 casos, segundo levantamento do Comitê. São casos que que seguem acontecendo a cada mês. “Por outro lado, se observarmos de forma mais ampla, desde o ano de 2021, temos tido uma queda gradual no total de casos. Mas os números seguem alarmantes”, explica o sociólogo.

Thiago de Holanda ressalta pesquisas, incidências e recomendações que o Comitê realiza desde o ano de 2016, quando iniciaram as atividades. Uma destas publicações é intitulada “Cada Vida Importa – Evidências e recomendações para prevenção de homicídios na adolescência” (2016), a partir de pesquisa que identificou 12 evidências de vulnerabilidades nas quais os adolescentes assassinados e suas famílias estavam inseridos. A partir disso, foram feitas recomendações, para diversos âmbitos da sociedade e do poder público, visando a diminuição da violência letal. Entre os eixos recomendados, destacam-se:

  1. Apoio e proteção às famílias vítimas de violência;
  2. Ampliação da rede de programas e projetos sociais a adolescente vulnerável ao homicídio;
  3. Qualificação dos territórios vulneráveis aos homicídios;
  4. Busca ativa para inclusão de adolescentes no sistema escolar;
  5. Prevenção à experimentação precoce de drogas e apoio às famílias;
  6. Mediação de conflitos e proteção a ameaçados;
  7. Atendimento integral no sistema de medidas socioeducativas;
  8. Oportunidades de trabalho com renda;
  9. Formação de policiais na abordagem ao adolescente;
  10. Controle de armas de fogo e munições;
  11. Mídia sem violações de direitos;
  12. Responsabilização dos homicídios.

Ao longo de quase uma década, as publicações do Comitê se debruçam sobre compreender a dinâmica da violência armada e como ela interfere na vida das pessoas na segunda década de vida, a exemplo de “Meninas no Ceará: Homicídios de mulheres na segunda década de vida sob a marca da injustiça” (2021) e “Vidas por um fio – cumprimento de medida socioeducativa” (2024).

Atlas da Violência
De acordo com o Atlas da Violência 2025, mais de 8,4 mil crianças e adolescentes foram mortos no Ceará entre 2013 e 2023, sendo a maioria dos casos com o uso de armas de fogo. Nesse período, houve 65 vítimas de 0 a 4 anos no Estado. A faixa etária de 5 a 14 já percebe um aumento da violência, com 633 homicídios. É a partir dos 15 anos quando a ameaça se torna maior: foram 7.797 homicídios na faixa etária de 15 a 19 anos de 2013 a 2023.

Crianças e adolescentes também sofrem com violências não letais e a casa é o local mais comum das violações, com destaque para casos de violência psicológica, negligência/abandono, violências física e sexual. Em 2023, o número de crianças e adolescentes vítimas de violência cresceu 36,2% no Brasil, com 115.384 registros.

Vale ressaltar que o Atlas considera adolescentes as pessoas de 15 a 19 anos, partindo da compreensão das Projeções da População do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade (2010-2060). Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) considera criança a pessoa com até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.