Em 23 de fevereiro de 2016 era instalado oficialmente no plenário da Assembleia Legislativa do Ceará o Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, uma experiência pioneira no Brasil com esse perfil entre as casas legislativas do país e que tem sido replicada em outros estados, como Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Em fevereiro de 2022, portanto, o comitê completou seis anos de atividade. A instância, criada para funcionar durante um ano, passou a ser um órgão permanente do parlamento estadual, recebeu um novo nome – Comitê de Prevenção à Violência – e tem se dedicado a produção de conhecimentos para proposição de políticas públicas de prevenção de homicídios; monitoramento de tais recomendações e dos dados de mortes violentas intencionais; atividades de formação e sensibilização; e articulação comunitária e interinstitucional.
A proposta de criação do comitê surgiu em 13 de julho de 2015, no aniversário de 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, durante uma audiência pública conjunta entre a Comissão da Infância e Adolescência da Assembleia Legislativa e a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Fortaleza. Uma iniciativa do deputado estadual Renato Roseno, o evento tinha como objetivo principal apresentar e discutir os dados do levantamento “Homicídios na Adolescência no Brasil”, que colocava Fortaleza como a capital brasileira com o maior índice de assassinatos nesse grupo etário e o Ceará como a unidade da federação com o terceiro maior indicador, atrás apenas de Alagoas e Bahia.
Cinco meses depois, em 11 de dezembro de 2015, a assinatura de um protocolo de intenções entre Assembleia Legislativa, Governo do Ceará e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) deu a largada para um trabalho que começou e se manteve envolvendo representantes de instituições diversas – dos movimentos sociais, do poder público e das universidades. Até hoje, o comitê tem um grupo consultivo que incorpora também o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedca Ceará) e o Fórum Permanente de Organizações Não Governamentais de Defesa de Direitos de Crianças e Adolescentes (Fórum DCA Ceará).
O colegiado teve como primeiro presidente o então deputado Ivo Gomes e como relator o deputado Renato Roseno e envolveu diretamente outros parlamentares: Augusta Brito, que estava no comando da Comissão de Juventude; Bethrose Fontenele, à frente da Comissão de Infância e Adolescência; e Zé Ailton Brasil, que presidia a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania. A instância foi criada quando o presidente da Assembleia Legislativa era o deputado Zezinho Albuquerque, e recebeu o apoio dos sucessores, Sarto Nogueira e Evandro Leitão.
Após seis anos, o Comitê de Prevenção à Violência desenvolveu três amplas pesquisas para compreender o fenômeno da violência letal intencional e como as instituições públicas cearenses estão estruturadas para prevenir e enfrentar o problema, responsabilizar os agressores e apoiar as famílias das vítimas. Em 2022, o comitê vai dar início a um novo estudo, agora se debruçando sobre o Sistema Socioeducativo do Ceará, um levantamento que está em fase de planejamento, mas já tem a marca da construção coletiva, haja vista as interlocuções em andamento com pesquisadoras e representantes de organizações governamentais, não governamentais e universidades. As pesquisas realizadas pelo comitê têm como objetivo conhecer em profundidade a dinâmica da violência para formular, com base em evidências, recomendações aos poderes públicos e à sociedade. O primeiro estudo, “Trajetórias interrompidas”, por exemplo, resultou em 59 ações propostas em 12 grandes campos de recomendações para prevenção de homicídios.
Uma realização em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância, a pesquisa foi desenvolvida em 2016, publicada em 2017 e selecionada em 2018 pelo próprio Unicef como um dos 12 melhores trabalhos que contaram com a condução direta ou a coparticipação dessa agência da Organização das Nações Unidas. O estudo foi o único do Brasil entre os premiados. As outras produções selecionadas foram do Afeganistão, China, Egito, Etiópia, Indonésia, Mali, Nigéria, Quênia e Tailândia. Para esse e outros estudos, o comitê tem contado com a participação de pesquisadores qualificados – especialistas, mestres e doutores –, além do apoio de estudiosos de referência das universidades públicas cearenses. “O comitê tem um paradigma de política pública baseada em evidências que é muito interessante e deve ser reconhecido”, observa o presidente do comitê, deputado Renato Roseno.
A produção de conhecimentos contribui também para dar mais consistência a outra frente de ação, que é a formação e sensibilização de profissionais e pessoas em geral que se interessem pelo tema da violência. A primeira grande experiência do comitê nesse campo foi desenvolvida em julho e agosto de 2019, quando um curso de formação sobre prevenção de homicídios e cuidado com as famílias das vitimas envolveu diretamente 259 profissionais de assistência social e 363 profissionais de saúde da rede pública municipal da capital, numa parceria com a Universidade do Parlamento Cearense, o Observatório da Criança e do Adolescente – Instituto OCA, a Open Society Foundations e a Prefeitura de Fortaleza.
As atividades de formação e sensibilização foram o principal destaque do trabalho do Comitê de Prevenção à Violência em 2021, incluindo a realização de dois cursos a distância intitulados “Cada vida importa: fortalecimento de redes de cuidado para a prevenção de homicídios na adolescência”. O primeiro curso certificou 79 pessoas que atuam em diferentes áreas. A segunda edição reuniu até o fim também um público diverso, de 103 participantes, entre eles moradores de dez unidades da federação, além do Ceará. As duas edições contaram com participantes de 11 unidades federativas e de 29 municípios cearenses. Para 2022, um novo curso já está em fase de planejamento, e desta vez vai contemplar o público específico de trabalhadores da educação. A interlocução com a Secretaria da Educação do Ceará começou ainda em 2021 e tem se intensificado nos primeiros meses de 2022.
Além das atividades de sensibilização e formação e da produção de conhecimento, com a realização de pesquisas para elaboração de diagnósticos e formulação de propostas para prevenção de homicídios, o Comitê de Prevenção à Violência tem atuado procurando contemplar outros eixos de ação. A instância se dedica ao monitoramento dos dados da violência letal intencional e disponibilizou ao público já em 2022 um painel de informações digital onde qualquer pessoa pode consultar os dados de homicídios no Ceará e nos 184 municípios cearenses desde 2014. A ferramenta, acessível em www.cadavidaimporta.com.br, tem o potencial de fortalecer o controle social e subsidiar o poder público na elaboração de políticas de prevenção.
Assim como o monitoramento dos dados, o Comitê de Prevenção à Violência procura acompanhar se as recomendações feitas estão sendo aplicadas pelo poder público e por outras instâncias para as quais foram destinadas. Ao exigir maior transparência do Estado e defender a efetivação de ações, projetos e programas de prevenção dos homicídios e responsabilização dos autores, o comitê buscar incidir politicamente. Para isso, não prescinde da mobilização social, interlocução com movimentos juvenis e articulação comunitária e interinstitucional.
Outras duas grandes frentes de ação consideradas estratégicas e fundamentais são o trabalho de comunicação para os direitos humanos, com produção de notas técnicas e relatórios de pesquisas e semestrais e melhor utilização das mídias digitais; e a interiorização das atividades, o que vem sendo fortalecido e ampliado também pela atual Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, por meio do programa Assembleia Itinerante. O Comitê de Prevenção à Violência tem participado do programa deslocando membros da equipe para realização de oficinas nos municípios contemplados.
Em agosto de 2021, numa ação conjunta com o Gabinete da Presidência da Assembleia Legislativa, o comitê promoveu também o “Encontro Cada Vida Importa”, reunindo 287 representantes de 115 cidades do estado pelo canal do YouTube do Legislativo estadual, com um pico de participação de 228 pessoas ao mesmo tempo. Foi o maior público registrado entre as atividades on-line promovidas pelo comitê. A articulação, que também envolveu a Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), a Associação para o Desenvolvimento dos Municípios do Estado do Ceará (APDM-CE) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância, teve como objetivo principal sensibilizar os gestores municipais sobre a importância e a viabilidade de ações, projetos e programas em nível local para prevenção da violência. O evento contou com a participação de seis prefeitos e 20 secretários municipais, além de 102 articuladores e 77 mobilizadores de adolescentes do Selo Unicef.
No esforço de interiorização das atividades, o comitê tem contado com a parceria direta do Fundo das Nações Unidas para a Infância, que estabeleceu para a edição 2017-2020 do Selo Unicef que um dos quatro objetivos da certificação era prevenir as formas extremas de violência e desenvolver respostas a elas. Ao fim das gestões municipais, que coincidem com o período de vigência de cada edição do selo, 93 dos 184 municípios cearenses atenderam a essa exigência.
Seja qual for a frente de ação, o Comitê de Prevenção à Violência, desde que foi criado como Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, tem procurado estabelecer articulações e parcerias com o poder público e as organizações da sociedade, acreditando que a superação da violência letal exige uma mobilização interinstitucional, para além de ideologias políticas e posições partidárias. A complexidade do fenômeno da violência e a valorização da vida dispensam respostas simplistas e propostas superficiais. O Ceará precisa de soluções de curto, médio e longo prazos, soluções consistentes para uma redução de homicídios profunda e sustentável, que assegure a todos, indistintamente, o direito de viver.