Ação da Semana Cada Vida Importa no Cineteatro São Luiz com filme “Cabeça de Nêgo” e presença do diretor Déo Cardoso e de mais de 160 estudantes da rede pública estadual / Foto: Guilherme Silva (Cineteatro São Luiz)

Por memória e justiça, audiência pública trouxe resposta insuficiente do Estado

Abrindo a Semana Estadual de Prevenção aos Homicídios de Jovens no Ceará, dia 8 de novembro foi realizada Audiência Pública em alusão aos seis anos da Chacina do Curió, articulada pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania, da Assembleia Legislativa do Ceará, e pelo Movimento de Mães e Familiares do Curió. 

“Não vamos abrir mão de nenhum direito, não vamos arredar o pé, não vamos desistir”, afirmou Edna Carla Sousa, líder do movimento e mãe de Alef Sousa, assassinado aos 17 anos na chacina que vitimou 11 jovens na madrugada do 12 de novembro de 2015, na grande Messejana, numa ação trágica orquestrada por agentes da segurança pública do Estado. Ela ressaltou que diariamente mães das periferias choram em cima dos caixões de seus filhos, que seguem sendo assassinados.

Na mesa da audiência também estavam Maria de Jesus da Silva, que integra o movimento, ela é mãe de Renayson da Silva, outro jovem vítima da chacina; Talita Maciel, do Fórum Popular de Segurança Pública no Ceará; Gina Kerly Pontes Moura, da Defensoria Pública do Estado do Ceará; Ícaro Gomes Coelho, da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará; Vicente Alfeu, secretário-executivo da Controladoria Geral de Disciplina (CGD); Mônica Barroso, da Defensoria Pública do Estado do Ceará, e Franklin Dantas, ouvidor de Direitos Humanos da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS).

A principal cobrança do movimento de mães, dos movimentos sociais e da Defensoria Pública é o reconhecimento e resposta públicos do Estado pela responsabilização efetiva dos autores da chacina, ao passo que representantes da Segurança Pública não assumiram essa tônica, apenas informaram sobre o status dos processos de investigação, nos quais cinco pessoas foram indiciadas por prevaricação e 33 por homicídio qualificado. Apenas 10 processos foram finalizados para julgamento e outros três estão em fase de finalização dentro da CGD. De acordo com o órgão, em 2021, ocorreram 33 demissões e diversas sanções administrativas no que se refere à chacina.

“Não enterraram só meu filho, enterraram a minha vida. Peço justiça para todos os que se foram naquela noite, peço justiça também aos que ficaram”, clamou Maria de Jesus.

Foto: Agência Alece

[Fonte: Renato Roseno]

Geração de oportunidades é também prevenção de homicídios na adolescência 

Na sequência da programação da 4ª Semana Cada Vida Importa, dia 9 ocorreu a solenidade de assinatura do termo de adesão à plataforma Um Milhão de Oportunidades, iniciativa que reúne Nações Unidas, empresas, sociedade civil e governos para gerar um milhão de oportunidades de formação e acesso ao mundo do trabalho para adolescentes e jovens de 14 a 24 anos em situação de vulnerabilidade. 

A Assembleia Legislativa do Ceará é o primeiro parlamento do Brasil a se comprometer com a iniciativa. O evento teve a presença de Florence Bauer, representante do UNICEF no Brasil, de Rui Aguiar, chefe do Escritório do UNICEF em Fortaleza, de Dennis Larsen, coordenador do UNICEF para o Semiárido Brasileiro, e dos deputados Evandro Leitão (PDT), presidente da Casa, e Renato Roseno (PSol), presidente do Comitê.

Na ocasião, também aconteceu o lançamento presencial da publicação impressa da pesquisa “Meninas no Ceará: a trajetória de vida e de vulnerabilidades de adolescentes vítimas de homicídios”. A publicação, coordenada pelo Comitê, é fruto de uma pesquisa quantitativa e qualitativa que conta a trajetória de 133 meninas, sendo 62 delas vítimas de homicídio no Ceará. Foi lançada virtualmente há pouco mais de um ano, e agora tem sua versão impressa em solenidade com o UNICEF. Para esse momento, estavam presentes Daniele Negreiros, coordenadora da pesquisa e assessora técnica do Comitê, professora Ângela Pinheiro, consultora da pesquisa, as pesquisadoras Gabriela Colares e Ticiane Sá e duas jovens da ONG Jovens Agentes de Paz (JAP), do Grande Bom Jardim.

Florence Bauer, ao comentar a apresentação de Daniele Negreiros sobre a pesquisa, cuja coordenação é sua, aponta que a plataforma “1mio” é resposta do UNICEF a recomendações pela prevenção de homicídios de adolescentes. “Análise de dados são fundamentais para entender uma situação de violência tão complexa em que os jovens se encontram, mas igualmente fundamental são as recomendações como as apresentadas aqui, com a pesquisa. E uma delas foi o incentivo e oferta de oportunidades, justamente o que o programa ‘1 milhão de oportunidades’ oferece, como uma resposta aos dados da pesquisa sobre Meninas no Ceará”, explica Florence na apresentação da plataforma na solenidade.

Ela enfatizou a possibilidade de que a parceria com o parlamento cearense incentive diversos outros atores sociais do Ceará a criarem oportunidades para os jovens, especialmente os mais vulneráveis. Ela afirmou que pesquisas do Fundo apontam que 23% dos jovens não têm oportunidade de estudar ou trabalhar e estão excluídos das oportunidades no Brasil. Desde 2020, quando surgiu, a plataforma já criou mais de 100 mil oportunidades. 

Entre as áreas que a plataforma atua estão acesso à educação de qualidade; inclusão digital e conectividade; fomento ao empreendedorismo e protagonismo de adolescentes e jovens e acesso ao mundo do trabalho em oportunidades de estágio, aprendiz e emprego formal. Mais informações sobre a  iniciativa podem ser acessadas no site.

[Fonte: Agência de Notícias da Alece]

Estudantes de escolas públicas participam de exibição e roda de conversa sobre o filme “Cabeça de Nêgo no Cineteatro São Luiz

“Poucas pessoas escutam nossa voz, poucos nos entendem. Esse filme nos representou”, comentou um dos estudantes da plateia após a roda de conversa sobre o filme “Cabeça de Nêgo”, no Cineteatro São Luiz, na manhã de quarta-feira (10). O momento foi vivenciado por mais de 160 estudantes de cinco escolas públicas da rede estadual de Fortaleza numa ação da 4a edição da Semana Cada Vida Importa. 

A atividade foi articulada pelo Comitê em parceria com a “Corte Seco” produtora e distribuidora do filme e com o cineteatro, equipamento da Secretaria de Cultura do Ceará gerido pelo Instituto Dragão do Mar, e apoio da Vice-Governadoria do Ceará, pelo programa Ceará Pacífico, e da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania de Fortaleza (AMC).

Na abertura, foi constatado que a maioria dos estudantes nunca tinham ido ao equipamento cultural, localizado no Centro de Fortaleza. São alunos de escolas do Bom Jardim, Canindezinho, Granja Portugal, Messejana e Vicente Pinzon, todos bairros da periferia com alto índice de homicídios na adolescência. Esses jovens, na 2ª década de vida, têm acesso precário ou ameaçado a outros bairros ou equipamentos culturais da cidade.

“Saúdo aqui essa iniciativa, é uma temática importantíssima dentro da realidade que a gente vive, que não é de agora, porque eu mesmo perdi muitos amigos na juventude. É super pertinente que esse debate se estabeleça, e que isso se faça também através da cultura e da arte”, afirma o curador e diretor de programação, Duarte Dias. “É uma honra e emoção receber vocês aqui, porque acreditamos que a arte transforma. Esta ação é um marco na nossa retomada presencial. Queremos dizer que ocupem esse espaço sim, vocês e seus pais, todos. É de vocês, ocupem!”, complementou Lucinha Rodrigues, gerente de produção do cineteatro. 

Roda de conversa

Na sequência da exibição, os alunos participaram de uma roda de conversa com o diretor do longa, Déo Cardoso, a professora Cícera Barbosa, integrante da Rede Chuvisco, de iniciativa da produtora do filme, a professora Edivânia Marques, da Escola Santo Amaro, e com integrantes do Comitê, Franciane Santos e Joaquim Araújo. 

“O filme vem mostrar pra vocês que, como disse o Joaquim e o Racionais, ‘essa não é sua vida, brother!’. Essa coisa de viver com violência do lado, mortes, precariedades, é uma vida colocada, é projeto de segregação, de uns que podem ter e outros não podem”, pontua Déo Cardoso, ao falar do contexto que o filme aborda,  no qual se insere a escola ocupada por estudantes.

A professora Cícera Barbosa, que já trabalhou nas escolas Júlia Alves e Santo Amaro, no Grande Bom Jardim, falou muito emocionada das datas que marcam a Semana e a exibição do filme, estamos no novembro negro e próximo ao dia em que a seis anos atrás ocorreu a chacina do Curió. “O ‘Cabeça de nêgo’ vem coroar e anunciar tempos de revolução, tempos de construir e inventar novos mundos”, e lembra que a ocupação do cineteatro por estudantes da periferia já é revolucionária por si só, “porque as mãos que ergueram esse espaço eram de trabalhadoras e trabalhadores pretos, da periferia, e hoje ele recebe vocês aqui num movimento de avesso, de revolução”. 

“O filme mostra que o protagonismo dos estudantes é fundamental, pra transformação de uma escola, e consequentemente, de um sociedade melhor” Edivânia Marques, professora da Escola Santo Amaro.

“Levantem a mão quantos de vocês já tiveram um amigo ou um parente assassinado? Praticamente todos! Isso não é normal! Por isso que a ‘Semana Cada Vida Importa’, não é só uma lei, não é uma semana. É o nosso dia a dia”, Joaquim Araújo.

Foto: Guilherme Silva (Cineteatro São Luiz)

Programação diversa alusiva à Chacina do Curió e à Semana Cada Vida Importa 

Mobilizados pelo Comitê, três municípios do Ceará também aderem à proposta de realizar atividades com diferentes abordagens sobre prevenção de homicídios na adolescência. As cidades de Eusébio, Iracema e Itapipoca montaram uma programação que se estenderá por toda semana do 8 ao 12 de novembro. Destaque para atividades articuladas com o Centro de Defesa de Crianças e Adolescentes – CEDECA e caminhada Cada Vida Importa no Eusébio, e palestras para profissionais e rodas de conversas com jovens na sede e distritos do município de Iracema. 

Secretarias, órgãos governamentais, equipamentos culturais e ONGs também estiveram entre os proponentes da programação, dentre eles o Centro Cultural do Bom Jardim, Superintendência Estadual de Atendimento Socioeducativo (SEAS), o Comitê Executivo Municipal pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CEMPHA) e o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte do Ceará (PPCAAM) com o Instituto Terre des hommes Brasil (TDH).

O Movimento Mães e Familiares do Curió lançou, dia 11, o livro “Onze – Movimento Mães e Familiares do Curió por Memória e Justiça”, em formato impresso, ebook e audiolivro, produzido a muitas mãos, idealizado por Edna Carla Souza, com apoio do CEDECA e do Movimento Cada Vida Importa, dentre outros. Lives, saraus, oficinas, rodas de conversa e seminários de diferentes instituições e coletivos proponentes também estão alinhados à pauta, fortalecendo o movimento e a rede de apoio às mães e familiares que ainda esperam por justiça, mas não caladas.