Artigo de Daniele Negreiros, assessora técnica do Comitê e coordenadora da pesquisa “Meninas no Ceará – a trajetória de vida e de vulnerabilidades de adolescentes vítimas de homicídio”, lançada dia 25 de setembro.

O texto foi publicado na página de Opinião, na edição de 23 de setembro de 2020 do Jornal O POVO (Fortaleza/Ceará).

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Meninas desprotegidas, feminicídios precoces

Por Daniele Negreiros

Enquanto sociedade, construímos uma indiferença e uma naturalização da violência contra as mulheres que reafirmam a estrutura patriarcal, inaugurada pelo colonialismo. Com isso, são construídas novas formas de vitimar e vilipendiar os corpos femininos e feminizados sem gerar luto ou indignação. Apesar de todo o aparato jurídico que conquistamos ao longo dos anos, ainda podemos falar da barbárie crescente e moderna de gênero, ou do que já é chamado “genocídio de gênero” pela antropóloga e feminista argentina Rita Segato.

Olhando para o nosso contexto, Ceará e Brasil, é importante entendermos quais as perspectivas de futuro, desejos, sonhos e medos das meninas periferizadas. Ao buscarmos respostas com a pesquisa “Meninas no Ceará – a trajetória de vida e de vulnerabilidades de adolescentes vítimas de homicídio”, a ser lançada dia 25, identificamos elementos cruciais para compreensão do todo. Ao priorizarmos os marcadores sociais de gênero, raça e classe, além de faixa etária, orientação sexual e escolaridade, entendemos que o impacto do sexismo ganha novos contornos diante de fatores como pobreza econômica e discriminação étnico-racial, transformando em silêncio e morte a opressão sofrida pelas mulheres e meninas.

A violência manifesta nesses marcadores, afetam de maneira mais contundente a vida das meninas, aprofundando dinâmicas de opressão, subordinação e até restrição de liberdade em seus territórios. Ainda que muitas adolescentes sejam conscientes e reconheçam seus direitos, são impossibilitadas de se emanciparem.

Meninas são assassinadas precocemente por suas relações afetivas, seja namoro, amizade ou vínculo familiar com pessoas de territórios rivais, mas esses casos não são tipificados como feminicídios e sim como conflito entre facções. Em recente dossiê lançado pelo Fórum Cearense de Mulheres, apenas 5,6% dos casos foram registrados como tal em 2018.

Diante desse panorama, meninas periferizadas são assassinadas e criminalizadas sem gerar investigação. Por fim, precisamos urgentemente de políticas de reparação, restituição e justiça, como condições fundamentais para superarmos essa grave crise humanitária.