Uma rede de cuidado e uma nuvem de sonhos para pensar o desenho ambiental de um território foram alguns dos temas levantados durante o Seminário Internacional “Cuidando em rede: saberes e práticas na atenção às famílias de vítimas de homicídio”, na última segunda-feira, dia 16 de setembro, na Assembleia Legislativa do Ceará (ALCE). O evento reuniu cerca de 200 pessoas para aprofundar o debate sobre a prevenção terciária de homicídios e conhecer experiências internacionais no cuidado das vítimas e proteção de adolescentes e famílias em situação de vulnerabilidade socioespacial. Estiveram presentes também representantes da sociedade civil, das universidades locais, das gestões públicas de Fortaleza e Ceará e do poder legislativo, como o presidente da ALCE, deputado José Sarto, na mesa de abertura, e o assessor para a juventude da deputada estadual Dani Monteiro, do Rio Janeiro, entre os convidados da plateia.

A iniciativa encerra um ciclo de ações de um projeto fruto da parceria entre o Instituto OCA e a Open Society Foundations, que se somaram aos esforços implementados pelo Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA), vinculado à ALCE. As ações também tiveram apoio da Universidade Estadual do Ceará (UECE), pois além do Seminário Internacional, também foi realizada uma formação com duração de 20h/aula, para sensibilização de 1000 profissionais das políticas de Saúde e Assistência Social de Fortaleza. 

Com foco na redução das vulnerabilidades sofridas pelas vítimas e suas famílias, o projeto escutou e acolheu a perspectiva desses profissionais da ponta, entrevistando e visitando os equipamentos públicos do município da Assistência Social  (26 CRAS e 6 CREAS) e da Saúde (63 UAPS e 15 CAPS). A partir disso, revelou-se a importância de fortalecer um protocolo de trabalho em rede, e foi construída, além da formação para os profissionais e do seminário aberto ao público, uma publicação que sistematiza esse protocolo e orienta as práticas em rede da assistência social, da saúde e da Rede Acolhe, programa de assistência jurídica e psicossocial a famílias de vítimas de violência letal da Defensoria Pública do Ceará.

Experiências que conectam cidades latinoamericanas

A programação trouxe temas e experiências que complementam e ampliam a perspectiva pela prevenção de homicídios na adolescência. Com a presença de Pedro Abramovay nos dois painéis do dia, o Diretor para América Latina e Caribe da Open Society Foundations apresentou experiências na redução da violência e controle de armas na América Latina dialogando com a prevenção terciária, que é de cuidado e proteção a famílias de vítimas de homicídios. Nessa metodologia, o evento promoveu um intercâmbio entre Fortaleza e outras cidades latinoamericanas, como Medellín (CO), onde atua a Fundação Casa de Las Estrategias. A economista e Vice-Diretora da organização, Camila Uribe, participou do Seminário traçando possíveis caminhos para a redução de homicídios e rotas de acolhimento e afeto a famílias de vítimas. 

“A prevenção de homicídios em cidades como Fortaleza e Medellín implica num trabalho muito bem articulado entre a sociedade civil e organizações do poder público, como secretarias de inclusão social e segurança cidadã”, comenta Camila sobre a criação de redes de ação com diferentes atores. Ela apresentou a experiência de dois programas idealizados pela ONG, como o “Ruta de acompañamiento a familias víctimas del homicidio”, que ajuda mães e familiares desde o processo de luto aos procedimentos jurídicos e práticos da perda do adolescente assassinado. O outro é o protocolo “Nada justifica el homicidio”, que trabalha com campanhas midiáticas e atende adolescentes ameaçados de morte por uma linha telefônica “123 social”, que aciona desde a polícia a voluntários nos encaminhamentos de casos. “A experiência em Medellín traz a importância de um trabalho articulado com a polícia, para que ela esteja em território para proteger as comunidades. Importante também que as instituições públicas estejam dispostas a criar símbolos de proteção, para que signifiquem que nada pode decidir quem vive e quem morre numa comunidade”, completa.

Também foi convidada Macarena Rau Vargas, Presidenta e fundadora da Corporación para la Prevención de la Delincuencia Mediante el Diseño Ambiental (CPTED – Región). Ela é PHD em Urbanismo na Universidad Del Bio Bio (Chile), com experiência em liderar projetos e iniciativas de Segurança Urbana, tanto pública quanto privada, no Chile e em diversos países da América Latina e Caribe. Desde 2000, é especialista na metodologia CPTED (Crime Prevention Through Environmental Design – Prevenção do crime através do desenho ambiental) nas áreas de diagnóstico, desenho, execução e avaliação de projetos de prevenção. A metodologia hoje é implementada como política pública habitacional por meio de convênio formal entre a organização e Ministério do Interior do Governo chileno, que busca prevenir delitos de oportunidade, reduzir a percepção de insegurança e aumentar a coesão comunitária. Entretanto, as soluções não são homogêneas. “A construção de uma praça não reduz necessariamente o crime, pode até aumentar, inclusive”, diz Macarena ao explicar que é preciso entender a dinâmica e também quais os medos de cada território antes de implementar alguma ação. Para isso, se promove a “nuvem de sonhos”, iniciativa de escuta e exposição da narrativa dos locais daquela comunidade, principalmente das crianças e toda sua autenticidade, onde são identificados os pontos de partida para as ações concretas no território.

Fotos: Luly Pinheiro e Galba Nogueira