O número de homicídios de meninas no Ceará vem crescendo de forma assustadora em um curto espaço de tempo. Em pouco mais de dois anos, foram mais de 200% de aumento no estado e mais de 400% em Fortaleza, pelo segundo ano consecutivo.

Os dados foram apresentados ontem (3) durante audiência pública conjunta entre a Assembleia Legislativa do Estado e o Senado Federal, por meio da Procuradoria da Mulher e do Programa Pauta Feminina – que a cada mês debate um tema relacionado aos direitos das mulheres.

Uma das debatedoras da audiência foi a senadora Regina Sousa, presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado e integrante da Comissão Permanente de Combate à Violência contra a Mulher.

Para ela, as diversas formas de violência contra as mulheres e contra as meninas estão interligadas e precisam ser estudadas e compreendidas a fundo. “Por que são mortas cada vez com menos idade? Só vamos ter condições de apontar caminhos para prevenção se formos na raiz, na desigualdade social. Tem menina rica sendo assassinada? Temos que estudar a fundo e cobrar a responsabilização do Estado ”, afirmou.

Em Fortaleza, houve uma redução de cerca de 15% nos homicídios de meninos, mas ao se fazer um recorte no gênero se percebe que entre as meninas teve aumento de 412,5% . No Estado, em 2016 foram 27 meninas com idade entre 10 e 19 anos assassinadas; até novembro de 2018 esse número chegava a 105 adolescentes.

Historicamente, o percentual de vítimas de homicídios do sexo feminino, em todos os estados do País, não ultrapassa os 10% do total dos mortos. No último Atlas da Violência, com os dados de 2017 sistematizados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Ceará é o terceiro estado em taxa de homicídios de mulheres, que representam 7,6% do total de mortos no Estado.

Juliana Araújo, que integra um grupo de mulheres do Jangurussu, lembrou sua própria infância e como a presença de políticas públicas na época, como projetos de arte-educação e esporte, fizeram a diferença na sua vida. “Se não tem nada pra disputar a consciência desse jovem, a gente já perdeu ele, a gente já perdeu ela. Durante o tempo em que nossa comunidade (Gereba) foi atendida por política pública, foi o tempo de mais paz e de mais tranquilidade lá”. Juliana se refere ao período que sucedeu ao fechamento do chamado lixão do Jangurussu. Naquela época, os catadores foram incluídos em trabalho na usina de reciclagem e os filhos, como ela, eram atendidos por projetos sociais. “Mas quando essas políticas arrefecem, saem de lá, a partir de 2015, aquele espaço se tornou uma fronteira de disputa de território”.

Durante as falas, os participantes criticaram a previsão orçamentária insuficiente para o enfrentamento da problemática. Um exemplo citado foi a Casa da Mulher Brasileira, inaugurada em junho desse ano e sem recurso previsto no orçamento. Outra crítica foi ao direcionamento político de priorizar ações de repressão em detrimento de medidas de prevenção, inclusive as elencadas nas recomendações do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA).

O deputado Renato Roseno, relator do CCPHA, relembrou a motivação inicial do Comitê que foi desnaturalizar a lógica da morte de adolescentes no Ceará. “Tudo que a gente faz é baseado em evidências. Não dá para apostar em uma única política como se ela desse conta de toda a dimensão interseccional de classe, raça, gênero do ser. Nós precisamos de uma política intersetorial, complexa, que chegue mais próxima dos territórios”.

A audiência resultou de um trabalho conjunto do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, da Comissão de Direitos Humanos e Procuradoria da Mulher da Assembleia e da Procuradoria da Mulher no Senado.

Participantes

Além da senadora Regina Sousa e dos deputados estaduais Renato Roseno e Augusta Brito, a audiência contou com a participação de Dillyane Ribeiro (Fórum DCA), Gina Moura (Defensoria Pública do Estado do Ceará), Leonardo Barreto (diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), Larissa Gaspar (presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Fortaleza), Camila Silveira (coordenadora especial de políticas públicas para as mulheres do Governo do Estado), Danielle Negreiros (comitê pela prevenção de homicídios na adolescência), Rose Marques (Fórum Cearense de Mulheres), Juliana Araújo (Mulheres do Jangurussu) e Kilvia Teixeira (Assessora Especial da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres do Ministério dos Direitos Humanos).